terça-feira, 6 de novembro de 2012

LEITURAS: VIVÊNCIAS COM O ENSINO FUNDAMENTAL


Maria de Fátima Almeida (UFPB)
                                                                              falmed@uol.com.br
1.      INTRODUÇÃO
            Apresentamos uma experiência do projeto Formação docente: uma proposta dialógica de leitura, mostrando práticas leitoras desenvolvidas com professores do ensino fundamental em escolas públicas em João Pessoa. Fundamentamo-nos na concepção dialógica de linguagem de Bakhtin (2004) e no aporte teórico-metodológico da Educação Básica voltada para o ensino e aprendizagem da leitura. O eixo central das reflexões concentra-se na formação continuada de professores, destacando a importância de os professores manterem-se informados e sempre atualizados para o exercício profissional. Articulam-se ações que integram docentes e discentes de diferentes áreas do conhecimento, compartilhando e interagindo os diversos saberes. A metodologia aplicada permite aos educadores utilizarem diversas modalidades e estratégicas pedagógicas de ler para dinamização da sala de aula de diferentes escolas. Sugerimos que a formação continuada de docentes do ensino fundamental deva ser executada a partir de um conjunto de estratégias compostas por cursos, oficinas, palestras, seminários temáticos e de avaliação. Os resultados sugerem o trabalho com linguagem e não apenas com língua, pois abrange aspectos lingüísticos e não lingüísticos bem como o contexto sócio-histórico. Esperamos contribuir não só com a formação de educadores capazes de atuar nas escolas, mas também que formem outros membros da comunidade para uma educação cidadã. A sociedade atual carece de bons profissionais e de indivíduos competentes para um mundo melhor e mais educado. Concluímos que a formação docente na perspectiva do dialogismo bakhtiniano produz  leitores críticos e criativos para a sociedade globalizada. Faz-se necessário uma formação permanente de estudos para acompanhamento e atualização dos educadores de todos os níveis.

2.      A  ABORDAGEM TEÓRICA
A abordagem teórica é constituída pela orientação dialógica da linguagem, pautada em Bakhtin (1929/1981 e 1992), em François (1996/1998/2000) e pelas teorias sobre os gêneros discursivos e as do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. Abordamos, também, a importante contribuição de Paulo Freire (1982b) ao afirmar que o processo de compreensão crítica do ato de ler não se esgota na decodificação pura e simples da palavra ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se amplia na compreensão do mundo do leitor. A concepção dialógica de Bakhtin (1929) é a contribuição maior para as mudanças que se desenvolvem, atualmente, nos diversos domínios de estudo da linguagem. A posição desse autor contra os partidários das tendências linguístico-filosóficas coloca em evidência, também, o comportamento dos interlocutores na interação. Na visão dialógica, o locutor constrói seu enunciado em função do interlocutor, que tem um papel ativo constitutivo na formulação dos enunciados. Visivelmente, é o outro (interlocutor) quem condiciona o que o locutor diz e, desse modo, ambos são colocados no mesmo plano. A contribuição da perspectiva bakhtiniana para o ensino tem avançado e revelado a necessidade do trabalho com a linguagem na escola.
Para este estudo, fundamentamo-nos na concepção de linguagem de Bakhtin/Volochinov (1929/1981) e Bakhtin (1992) para quem a linguagem é interação que só existe na reciprocidade do diálogo e, que se caracteriza pela diversidade de movimentos e modos de significar. A teoria dialógica da linguagem que fundamentará a análise das práticas leitoras postula que linguagem é fenômeno heterogêneo, vivo, variável e flexível, sempre situada num contexto sócio-histórico. A leitura é atividade multifacetada, que se realiza pela interação do autor/leitor/texto ou autor/professor/aluno/texto, no contexto de sala de aula.  Desse modo caracterizada a leitura permite visualizar suas modalidades ou estratégias reveladas pelos movimentos e papéis do sujeito no processo de construção de sentido, no espaço escolar.
Nessa perspectiva, mostramos que a leitura é interação e compreensão responsiva, que a produção de sentido resulta das múltiplas formas de ver e de ser do sujeito leitor no mundo e não apenas das formas da língua. Tal como afirma Brandão (1997), na leitura, o leitor se situa entre a disseminação dos sentidos (a polissemia) e as coerções, os artefatos que organizam o texto. Consideramos que a prática de leitura no processo dialógico é capaz de minimizar as dificuldades do ensino e aprendizagem, decorrentes de várias falhas na formação do educador e do aluno leitor, dentre elas: a falta de condição para a produção da leitura e de acesso às novas teorias lingüísticas, acerca do funcionamento da linguagem; da falta de aquisição de livros e de participação em eventos culturais que lhe propiciem uma melhor formação; o não prazer pela leitura por não a experimentarem desde cedo, tendo os primeiros contatos na escola.
               Essa é uma proposta interdisciplinar voltada para a formação e o letramento docente, mais particularmente comprometido com a ampliação das competências técnico-científicas e metodológicas do docente para trabalhar as noções de linguagem, de leitura, de texto, de gênero textual, de letramento e outras indispensáveis à sua formação e atuação nos nível Fundamental de Ensino.  Outro fator relevante é articular teoria e prática e possibilitar a integração dos alunos dos cursos de Letras e professores de língua portuguesa da rede pública de ensino das áreas atendidas, assim como visar à melhoria do ensino de língua portuguesa nas escolas públicas do Estado da Paraíba.

3.  A ORGANIZAÇÃO DA ATIVIDADE PEDAGÓGICA

              A experiência está dividida em diversas modalidades práticas e teve maior visibilidade articulada a projetos de extensão, em que foram realizadas leituras dos textos teóricos sobe a literatura e usados para embasar as atividades e oficinas aplicadas na escola, assim como participação em encontros periódicos para as discussões e debates dos textos e para esclarecimentos de dúvidas. Outro momento importante foi a elaboração do material didático para as oficinas, confecção de slides e seleção de gêneros para as atividades dinâmicas e interativas que foram aplicadas aos professores e alunos de uma escola da rede pública de Ensino Fundamental da cidade de João Pessoa. Destacamos as pesquisas relativas à descrição do português e às metodologias alternativas para a otimização da prática pedagógica no Ensino Fundamental. Ao final, houve um tempo especial para a divulgação, socialização e exposição do material produzido, em eventos que participamos  na escola, através  das oficinas mostrando os resultados obtidos.

4.      VIVÊNCIAS COM A LEITURA E A ESCRITA
           
             As principais atividades foram desenvolvidas pela bolsista e se apresentam da seguinte maneira: oficinas pedagógicas de leitura e escrita, realização de dinâmicas, exposição dos pressupostos linguísticos e pedagógicos que fundamentam os conteúdos trabalhados nas oficinas, elaboração de material e leituras de textos; socialização e exposição do material produzido; participação em eventos (XIII Encontro de Extensão/SECITEAC e I Seminário de Extensão do CCHLA: o pensar e o fazer extensionista); divulgação do projeto e dos resultados. 

Tomamos como exemplo a oficina realizada na sala de informática e áudio visual de uma escola do ensino fundamental. As estratégias usadas para a elaboração e aplicação da oficina de leitura e escrita foram divididas em seis passos específicos.

No primeiro passo foram discutidos os procedimentos das atividades a serem desenvolvidas. Durante a apresentação foram introduzidos, inicialmente, os objetivos da oficina, para que os participantes conhecessem e percebessem a importância dos gêneros textuais que estavam sendo usados.
Apesar dos docentes estarem em contato com os gêneros textuais, eles desconhecem, quase sempre, a importância desses textos dentro da sociedade. Assim, levá-los a conhecer diferentes gêneros textuais, promoverá uma reflexão sobre a função social que eles exercem na vida das crianças e jovens e na constituição do leitor enquanto ser humano.

No segundo passo foi realizada uma dinâmica. Nela foram usadas duas caixas com objetos dentro para que os alunos, somente, através do toque com as mãos, descobrissem quais eram os objetos. Fez necessário que os participantes, envolvidos na atividade, pudessem explicitar para seus colegas os procedimentos que utilizaram para identificar e atribuir “sentidos”, como e por quais pistas foi possível realizar inferências e fazer antecipações. No jogo de construir sentido, afirma Bakhtin (1981), “a linguagem e a leitura são processos de interação e na construção do sentido cruzam-se o dito e o não-dito, os implícitos e os entornos que circulam nas atividades comunicativas”. Esta dinâmica, posteriormente, foi relacionada com as leituras de diferentes gêneros textuais, assim como proporcionou a participação ativa dos envolvidos na atividade.
No terceiro passo – a estratégia didática – foi feita a leitura de um gênero textual (conto) para o trabalho de formação de leitores. O conto é um ensinamento que versa sobre a verdade da vida, ou seja, a postura que cada indivíduo assume para julgar algo e chegar a uma determinada verdade. Se julga cegamente ou procura ouvir todos os lados. A aprendizagem de leitura assumiu uma função social de resgate de cidadania, uma vez que possibilitou aos leitores conhecer, refletir e atuar sobre uma dada realidade.


No quarto passo, após a leitura do conto, foram feitos questionamentos acerca de quais pistas possibilitaram a atribuição de determinados sentidos ao texto. Os questionamentos foram direcionados às vivências, experiências e conhecimentos de mundo dos participantes e os levaram a compreender a melhor maneira de como os textos devem ser interrogados e diferenciados entre realidade ou ficção, ajudaram na identificação de recursos persuasivos, assim como a interpretação dos sentidos figurados e a identificação de quais seriam os verdadeiros temas e a intenções dos locutores. Segundo afirma Paulo Freire ((1982b), “o processo de compreensão crítica do ato de ler não se esgota na decodificação pura e simples da palavra ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se amplia na compreensão do mundo”.
            No quinto passo foi feita uma leitura colaborativa de um outro tipo de gênero – poema. Esse texto foi usado como referencial para que se percebesse como um único tema surge e é possível e realizável em diferentes gêneros textuais, de diferentes formas de leituras e pode ser relacionado à vida de cada indivíduo.

No último passo foi solicitada uma produção textual de escrita. Nessa produção, os participantes se transformaram em personagens do conto e deram suas opiniões acerca das suas “verdades”. Na concepção dialógica de Bakhtin (1929), o comportamento dos interlocutores na interação é colocado em evidência, pois “o locutor constrói seu enunciado em função do interlocutor, que tem um papel ativo constitutivo na formulação dos enunciados”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As conclusões apontam que as atividades desenvolvidas direcionaram o público-alvo à compreensão das especificidades, dos elementos constitutivos e da função social dos gêneros textuais, assim como trabalhar as noções de texto, de leitura, de letramento e ampliar as competências metodológicas dos docentes, indispensáveis à sua formação e atuação no nível Fundamental de Ensino. Apesar dos docentes estarem em contato com os gêneros textuais, eles desconhecem a importância desses textos dentro da sociedade. Sendo assim, levá-los a conhecer os diferentes tipos de gêneros, promoveu uma reflexão sobre a função social que os textos exercem na vida das crianças e jovens, na constituição do leitor enquanto ser humano e serviu como expedientes ao ensino das boas maneiras, dos bons hábitos, dos deveres e direitos dos cidadãos, dos sentidos e multiplicidades do mundo, dos valores e da moral, entre outros.
 Portanto, os participantes tiveram contato com diferentes tipos de leitura, compreenderam o funcionamento dos gêneros textuais, suas funções e seus formatos, desenvolveram a capacidade de reflexão sobre os aspectos específicos de cada gênero textual usado nas oficinas, participaram da interação professor/aluno/texto no processo de ensino e aprendizagem, promoveram a discussão acerca dos textos e das produções textuais de leitura e escrita.
               Ao término das oficinas, os participantes compreenderam como os gêneros textuais podem ser reescritos e se relacionarem com outros textos e outros discursos. Perceberam que ao “sair do texto”, ou seja, ao procurar estabelecer relações com a realidade, encontram outras “chaves” de leitura contidas em valores ideológicos, históricos, culturais, inerentes aos discursos.
               Este projeto não busca somente uma proposta de formação de professores para trazer melhorias para a qualidade do ensino, mas apresenta os fundamentos necessários à compreensão da linguagem, gêneros textuais, ensino, leitura e escrita e contribui para o desenvolvimento da atitude crítica necessária ao desenvolvimento do conhecimento sobre o ensino de língua portuguesa e a integração com o sistema de ensino oficial. Portanto, a avaliação constante de todos os projetos vem permitindo que as ações ou mudanças de atitudes com relação ao ensino da língua portuguesa, particularmente ao ensino do processo de leitura e de escrita comprovem os resultados concretos, até então alcançados.
               As teorias usadas para embasar este projeto são importantes para o aprofundamento da área temática principal da ação e oferece possibilidades para estudantes universitários e pesquisadores, de realizar, planejar e desenvolver as próprias pesquisas na graduação e pós-graduação, utilizando-se do rigor necessário à produção de conhecimentos nessa área. É de grande auxílio, principalmente, àqueles que desenvolvem trabalhos acadêmicos no campo do ensino de língua portuguesa. O assunto sobre esse ensino é instigante e vasto, podendo ser trabalhado a partir de novas hipóteses que não foram desenvolvidos mais detalhadamente e foram deixadas como provocações e estímulo a quem se interessar a continuar na linha de Pesquisa, Ensino e Extensão.

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